Última alteração: 2017-10-04
Resumo
INTRODUÇÃO
O endométrio é uma camada mucosa heterogênea e altamente dinâmica do útero que recebe influência hormonal e sofre modificações durante o ciclo menstrual para possibilitar um local adequado para a implantação do embrião e o desenvolvimento do óvulo fertilizado (Salamonsen et al., 2009). Transições cíclicas das fases proliferativa e secretora são dirigidas por efeitos combinados de estrógeno e progesterona e requerem significativa proliferação e diferenciação do tecido da camada basal (Salamonsen, 2008). Na fase proliferativa do ciclo, o estradiol (E2) estimula o crescimento e a proliferação celular. Após a ovulação, na fase secretora do ciclo, E2 e progesterona estimulam a diferenciação secretora endometrial e o endométrio torna-se receptivo à implantação do embrião. A endometriose é uma condição ginecológica crônica e patológica que ocorre quando células endometriais heterogêneas viáveis, incluindo glândulas e estroma, migram através das tubas uterinas e proliferam fora do útero em órgãos como os ovários, reto e bexiga urinária (Bergqvist, 1993) e, implantes funcionais ocorrem em locais ectópicos, principalmente no interior da cavidade peritoneal (Bulun, 2009). O tecido endometrial permanece responsivo aos hormônios, estimula a angiogênese sendo altamente invasivo (Girling & Rogers, 2005). A endometriose é acompanhada por dor pélvica e dismenorréia e, está significativamente associada com infertilidade (Taylor et al., 2002), provocando consideráveis encargos em termos de cuidado com a saúde e qualidade de vida (Fourquet et al., 2010). Os ratos apresentam útero com dois cornos consistindo de duas partes iguais. No ciclo estral dos ratos, assim como o de outros animais, são observadas fases da ação do estrógeno (proestro e estro) e da progesterona (metaestro e diestro) (Grümmer, 2006). Em contraste com primatas humanos e não-humanos, os animais com ciclo estral não desprendem o tecido endometrial e, portanto, não se desenvolve endometriose espontaneamente, podendo ser induzida pelo transplante de tecido endometrial para locais ectópicos. O uso de ratas como modelo para estudos de endometriose representa uma forma alternativa para a avaliação da patogênese e patofisiologia da endometriose, incluindo questões como fertilidade, dor, adesão de lesões endometrióticas, integração de técnicas celulares e moleculares e, a oportunidade de desenvolver novos métodos de controle da doença incluindo diagnósticos não invasivos e regimes terapêuticos (Sharpe-Timms, 2002). Dessa forma, os objetivos do presente trabalho foram: estabelecer modelo experimental cirúrgico de endometriose baseado na literatura previamente existente, com adaptações e, avaliar os implantes endometrióticos através de análises histológicas.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado no Biotério do Departamento de Anatomia do Instituto de Biociências da UNESP de Botucatu - IBB/UNESP. Foram utilizadas 20 ratas (Rattus norvegicus albinus) adultas (120 dias) da linhagem Wistar provenientes do Biotério Central do Câmpus de Botucatu/UNESP. Durante todo o experimento, os animais foram mantidos no Biotério do Departamento em condições controladas de temperatura (aproximadamente 21oC) e luminosidade (12h de escuro e 12h de luz) e, mantidos em caixas isoladas de polietileno. Todos os animais receberam água e dieta sólida constituída de ração Biotec ad libitum e o protocolo experimental seguiu os princípios éticos de pesquisa animal de acordo com o comitê de Ética para Experimentação Animal da Universidade Estadual Paulista (protocolo 824-CEUA). As fêmeas foram divididas ao acaso em dois grupos de doze animais cada: G1) ratas induzidas a endometriose cirurgicamente e eutanaziadas após 20 dias; G2) ratas controle. Para a indução da endometriose foi utilizada a técnica de Vernon e Wilson (1985) com modificações. Para o procedimento, as fêmeas foram anestesiadas com 0,1mL de xilazina e 0,1mL de ketamina, sendo administrado 0,2mL de solução para cada 100g de peso corpóreo por via intramuscular. Em seguida, foi realizada tricotomia da região abdominal e, após esse procedimento, foi aberta a cavidade abdominal por incisão longitudinal na linha alba de aproximadamente 2cm de forma a identificar o corno uterino direito. Uma vez separado, aproximadamente 1cm do terço médio do corno uterino foi dissecado e realizada sutura dos terços restantes. O segmento uterino retirado foi imediatamente imerso em soro fisiológico, cortado em três secções transversais de aproximadamente 3mm e foi feita, através da manipulação com pinças cirúrgicas, a inversão da camada do endométrio ficando esta mais externamente localizada. Os fragmentos foram fixados com fio de nylon através de agulha de sutura (6.0) na musculatura interna da parede da cavidade abdominal, sempre próximos a vasos sanguíneos e mantendo a porção do endométrio em contato com a musculatura. Após todos os procedimentos, foi realizada sutura da parede da cavidade abdominal e, posteriormente, da pele. Após 20 dias de pós-operatório, os implantes foram coletados, imersos e fixados em paraformaldeído a 4% durante 12h. Os implantes foram desidratados, diafanizados, incluídos em paraplástico e cortados com 5µm de espessura em micrótomo LEICA 2145. Os cortes foram distendidos em lâminas histológicas e processados para análise histológica em Hematoxilina e Eosina (HE) e azul de Toluidina (AT). Também após 20 dias, os animais do grupo controle foram eutanasiados com saturação anestésica da combinação de 0,1mL de xilazina e 0,1mL de ketamina, sendo administrado por via intramuscular. A porção média do corno uterino direito do grupo controle foi coletada e processada para análise histológica de igual maneira que os implantes.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
No grupo G1 os implantes foram identificados aderidos à camada muscular abdominal e aderidos às alças intestinais. Também foi observada neovascularização ao redor dos implantes endometrióticos. A angiogênese é considerada como o principal processo na patogênese da endometriose: o desenvolvimento e a manutenção da doença são dependentes do recrutamento de vasos sanguíneos às lesões endometrióticas pré-existentes para garantir o suprimento nutricional essencial e a oxigenação (Groothuis et al., 2005).
Histologicamente os implantes endometrióticos (IE) apresentavam arranjos glandulares internamente revestidos por epitélio cúbico simples, alguns contendo leucócitos luminais. Esses arranjos, similar ao observado por Sharpe-Timms (2002), eram dispostos em estroma com características endometriais típicas. Aspectos de resposta inflamatória crônica granulomatosa e deposição de hemossiderina foram achados frequentes; ocasionalmente também foram observados acúmulos de células xantomatosas. A hemossiderina é um pigmento anormal microscópico de origem endógena, encontrado no corpo humano e no de outros animais. Possui uma coloração acastanhada, sendo resultado da degradação de hemácias. É composta de óxido de ferro e pode se acumular em diferentes órgãos em diversas doenças. Macrófagos fagocitam a hemoglobina para degradá-la, produzindo hemossiderina.
O processo inflamatório crônico observado nos resultados de IE e, caracterizado principalmente por infiltração leucocitária, foi semelhante ao observado por Batista et al. (2006). De acordo com Jolicoeur et al. (2001), pelo fato da endometriose ser um processo inflamatório crônico, ela induz um aumento no número de macrófagos porque células endometriais expressam fatores quimiotáticos de monócitos (MCP-1), responsáveis por agrupar e ativar os macrófagos.
Os resultados descritos demonstraram que ocorreram dois tipos de IE: 1) os que apresentaram morfologia muito semelhante às secções transversais de cornos uterinos do grupo controle, diferindo apenas no número de glândulas endometriais presentes no estroma que foi menor no G1 comparado ao G2; e 2) IE com intensa resposta inflamatória, em parte provocada pelo uso do cat gut, e com glândulas endometriais dilatadas.
A resposta inflamatória existente na endometriose está associada à reparação de tecidos e neovascularização dependentes do fluido peritoneal, da resposta dos macrófagos e da secreção de citocinas. Tem sido proposto que a reação inflamatória local pode servir para promover o crescimento e a invasão do endométrio ectópico e, constituem um elo entre a endometriose e o câncer de ovário (Ness, 2003). O processo inflamatório presente na endometriose e a liberação de citocinas são causas prováveis de redução da fertilidade (Krikun et al., 2008).
A etiologia da endometriose não é clara e permanece um tópico a ser debatido (Stephens et al., 2009). Existem várias teorias para explicar a causa da endometriose sendo que a mais aceita é a da menstruação retrógrada; porém, esse fenômeno semi-fisiológico ocorre em 90% das mulheres em idade reprodutiva e somente 10-15% dessas mulheres desenvolvem endometriose.
O método de escolha de indução da endometriose mais comumente utilizado em ratos tem sido o autotransplante de porções uterinas no interior da cavidade peritoneal. Modelos animais permitem o estudo de mecanismos e reguladores da endometriose de forma controlada, evitando influências tais como variações de idade, estágio do ciclo menstrual, uso de medicamentos, dieta e influências ambientais nas quais pacientes individuais estão sujeitas. A indução cirúrgica de endometriose na rata é um procedimento relativamente breve e bem-sucedido. Além do mais, comparado aos primatas, os custos de manutenção e cuidado com os ratos são significativamente menores (Sharpe-Timms, 2002).
CONCLUSÕES
Os achados morfológicos indicam lesão compatível com o esperado para endometriose, sugerindo sucesso do procedimento. Modelos animais permitem estudos controlados da doença, minimizando ou abolindo variações decorrentes de idade, estágio do ciclo menstrual, dieta, uso de medicação e influências ambientais. A indução cirúrgica de endometriose na rata é procedimento rápido e de baixo custo comparado ao uso de primatas. Como procedimento futuro e, com o intuito de minimizar o processo inflamatório, pretende-se utilizar selante de fibrina para colar os implantes endometrióticos ao invés do procedimento convencional com fio de sutura.
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